segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Coisas de Bagé

Juca foi um dos bons amigos que tive. Conversávamos bastante, quando me dava carona até em casa, vindo da FunBA. Lamentávamo-nos: temos que sair de Bagé. O potreiro é pequeno demais. Escrevia crônicas como ninguém num estilo divertido. É pena que o Juca não publique livros. Mas ainda há esperança. Um dia, ele escreveu um artigo no Correio do Sul de Bagé, dizendo que no “paredon” (contenção feita num arroio para evitar enchentes com o escoamento nas enxurradas) eram fuziladas pessoas na época da 2ª Guerra. Inimigos do nazismo eram fuzilados no local. Bem o estilo daquele espírito maroto que trabalhava com o insólito e o pitoresco. O Alan, que era agente da polícia federal e que lia muito, foi chamado pelo diretor da PF em Bagé: “Alan, investiga o Juca, vê o que descobre sobre as tais de execuções no paredon”. O Alan engoliu em seco: “Doutor, isso é ficção, literatura, não me exponha a esse ridículo”. O chefe insistiu. Poderia ser cobrado pelas autoridades de Brasilia. Tudo haveria de constituir um perigo à segurança nacional (era época da Redentora). Lá foi o Alan e imaginem com que constrangimento entrou no escritório do Juca... Outra vez, Juca escreveu um artigo dizendo que os vikings estiveram em Bagé na antiguidade. A prova estava no concreto que havia na passagem do arroio que vai do Prado em direção ao cemitério. Em resposta, um respeitado idoso fez publicar um desmentido, afirmando que aquilo era obra de um prefeito há algumas décadas.
O major Jardim era outra figura fantástica, que gerou filhos da mesma têmpera. Um deles é o Jerônimo, compositor dos mais renomados. O major Jardim adorava uma guriazinha de vila, sempre transitando com sua lurdinha (metralhadora) por baixo do casaco. Foi denunciado por sedução. E o Mathias Nagesltein, um dos melhores contadores de “causos”, aconselhou ao cliente: “Na sua idade, vamos alegar crime impossível, em razão de impotência”. O major se exaltou: “Nunca! Prefiro a pior marmorra”. Certo o major na esteira da filosofia do Roberto Freire: sem tesão não há solução.
Lembranças. Metade da vida a gente faz os fatos. Na outra metade, a gente lembra deles. Depois dos sessenta vai-se descendo uma ladeira. Já não precisa tanto esforço. É mais fácil perdoar, tolerar. Meu avô Ervandil dizia que jamais admitiria voltar aos seus sete anos. Tinha toda razão. Já imaginou voltar ao colégio das freiras, ver televisão com aquele riscos em que a imagem era algo concreto e o resto pura imaginação? Quando o homem desceu na lua, lá em Bagé na casa da vovó Nita vi uns fantasmas se mexendo na imagem. Se aquilo era povo na lua só por exclusiva fé na TV Difusora. Mas a verdade é que tudo parece umedecido pela sensibilidade do coração, que verte lágrimas ao recordar a infância, a infância dos filhos, as conquistas afetivas, as glórias profissionais, o triunfo intelectual. Tudo num longínquo tempo das calçadas da rua Bento Gonçalves, vendo a minha amada Mara vindo do colégio com as amigas. Por que não posso lembrar da Mara sem vontade de chorar? De onde vem tanta tristeza?
Este papel é o meu analista. Vou a fundo ao borrá-lo com a tinta da impressora. Registro a dor, a esperança, a gratidão, a mágoa, a saudade. Registro tudo. Sim, minha filha, minha poesia é triste. Cresci vendo a vida pelo ângulo inclinado, com uma nesga de sol pela porta que não se abria completamente. Sempre faltando alguma coisa. Como um avião na aterrissagem normal, nunca chego ao fim da pista. Permaneço a olhar para ver o que existe do lado de lá. Não vejo e não sinto nada. Algum detalhe inviável do meu eu que não se entrega, que não quer se enxergar. Faltam poucos metros para o fim da pista e tudo é um mistério nesse espaço curto da espera.

2 comentários:

  1. Para (agora sem acento, certo?) com essa história de fim de pista.

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  2. Irmão amado, talvez tenhas sido a pessoa que mais nitidamente vias o meu interior...Ainda teremos tempo para uma vida mais íntima e alegre, no ano que vem. Te amoooooo. Mara.

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