terça-feira, 6 de setembro de 2022

PRECONCEITO Preconceito: conceito prévio que você faz antes de saber o que é, com quem trata, de onde veio, o que pensa. Negros e o cuidado com as carteiras. Gordos e a tragédia dos espelhos nas lojas ao experimentar as roupas e submeter-se à sombra do ridículo. Velhos empurrados como estorvo no trânsito da vida. Mulheres desrespeitadas, agredidas, humilhadas. Meu Deus, quanta dor sofrem todos aqueles que padecem pelo preconceito. E essa é uma dor em geral incompreendida, porque a dimensão do sofrimento que afeta a emoção somente pode ser conhecida por quem vivencia o problema. Se você nunca teve aberta uma ferida em seu corpo, não tem ideia sobre o que é sofrer um corte na perna, uma ofensa na honra, um ataque à dignidade. Quem despreza os direitos humanos nunca viu um filho ser violentado pelo abuso policial, ser escorraçado ao reclamar da fome, corrido com sua mãe moribunda da porta de um hospital. Concepção nazista para quem só os fortes merecem viver. Hobbes e seu Leviatã, a máquina de meter medo, a vitória dos músculos ou das mentes aptas a enganar os outros, isso tudo como filosofia básica para subir na vida. Pior: os séculos perambulam sob o olhar das pedras e tudo segue igual. Sempre o preconceito presente porque inviável distinguir e aceitar a diferença. Tragédia em local, palcos e épocas distintas. Eterna luta que levou Cristo para a cruz e que deturpou sua palavra, criando credos de uma ferocidade capaz de gerar guerras e mortes incontáveis. A Verdade é uma só e as religiões têm sido a maneira de ostentar a posse da mesma ainda que com a flagelação das demais. Na verdade, sustentam-se nesse combate funesto com suas regras de proibição, predominância, certeza, exclusividade da palavra de Deus. As religiões vivem e dependem dos conflitos. Somente a ciência busca a unidade da verdade, em eterna transmutação. Deus deve ter muita vergonha da humanidade. Fez este planeta e tão arrependido com os rumos que o homem tomou, inviabilizou a existência humana em todos os demais. Experiência fracassada de um ser onipotente, o que parece bastante insólito para dizer o mínimo.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

O RECOLHIMENTO O recolhimento, em geral, caracteriza postura de quem é mais velho. Cadeira de balanço. Bons livros, boa música, leitura de jornais no café da manhã. Esquecer dos segredos que guardou, mero expectador das transformações filosóficas. Citar Platão, sorvendo o ritmo da vida no balançar da cadeira. De tarde, dormir um pouco e acordar sem dúvidas, apenas com as gotas que passeiam pela janela e o vento manso de dentro da alma. Consumir sem pressa. Olhar para o telefone que nunca toca e alegrar-se quando recebe uma ligação da Net para mudar de plano. A secretária chega. Cumprimento respeitoso. Comentários sobre o tempo. O arredar de móveis que incomoda um pouco, mas logo passa. Sem inclinação política, que é assunto que pouco interessa aos indiferentes à vaidade. Favas para o poder, porque há um cansaço de tanto testemunho da deslealdade, mistificação, desonestidade. À noite, tudo parece mais vazio por causa do silêncio. Manchas de escuridão em paredes repletas de lembranças. Os retratos. Memória dos que passaram. Conversa com eles, de quem já surge aproximação. Há uma doce esperança de reencontrar amigos e parentes, interrompida apenas quando o sono vai anestesiando toda a saudade.