quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Perfume dos Anjos

Eram doces as mortes adiadas,
As flores em vasos adormecidas
Com o perfume dos anjos
A encantar festejos.

Lá atrás, no porão das minhas veias
Seguia a procissão com ave-marias
E moleques vendendo amendoins.
Tudo na rua de silêncio lento
Como uma pandorga alheia ao vento.

Eram doces as sortes adiadas,
Quando ao mar jogavam-se flores
E, perdidamente, esqueciam-se amores.
Jogos de bem-me-quer, mal-me-quer,
Em margaridas jogadas ao chão.
Compassadamente as rezas se sucediam
E o dia perdia a cor.
Pássaros acendiam a lua
E a noite enchia-se do mais sublime amor.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Ruelas de Sevilha

Prosseguir, pelo outro lado da rua,
Contra o vento que do final corre atento,
Ferindo a face, azeitando a alma. Aparecer por detrás dos versos empoeirados,
Surpreendendo arritmias, corações doídos,
E gritar para que tomem cuidado
Todos aqueles que não ousaram.

Há uma vetusta prece do lado de lá
Que faz lembrar uma noite sonâmbula.
Caminha indecisa sem vestes,
Prostrando-se aos pés do mistério.

As ruelas de Sevilha, labirintos.
Como é doce sentir o mistério,
Interrogado sempre, indeciso às vezes.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Ode distraída

Embalam-me os teus braços como a fortuna das preces.
Ouço tuas raízes emergir com o vigor da esperança.
Curvo-me aos teus olhos incertos
E aborreço de toda ausência.

Assim como as cores vou sumindo no entardecer das sombras,
Peregrino atento do teu amor de extremada paixão.
Ereto, incansável, fugaz prurido de perfume esquecido.

Não me esqueça que me ponho a escutar
Sons que a natureza não desperta, odes de um poeta adormecido.
Não me recuses que me ponho a chorar
Recompondo a pintura deste quadro sonegado.

Seguir e seguir como a torrente de vento sobre a relva.
Fugir dos desgostos nos teus braços
E molestar as memórias de uma noite sonâmbula...
Assim prossegue a lida de um desafio sem ritmos.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Jaali Hru Ra Hotep (Poderoso sol) CAP. IV

Farto da rotina, Jaali começou a sair de noite, quando a madrugada esvaziava a cidade. Caminhava muito, acabando por conhecer toda a orla do Guaíba.
Tudo se sucedia com regularidade e assim foi por semanas. Só que, num certo dia, Jaali começou a ouvir um barulho estranho das pombas, logo após voltar de sua caminhada noturna. Ficou apreensivo. Em verdade, tinha medo daquela sala enigmática sem teto. Repetiu-se o barulho por mais duas vezes. O arrepio tomou conta de seu corpo. O que poderia ser aquilo? Dormir era impossível. Não suportando mais a curiosidade, dirigiu-se passo a passo para a peça fatídica. Nada encontrou a não ser as pombas inquietas. Sentou-se a um canto para observar melhor o que estava acontecendo. Absolutamente nada, nenhum som, nenhuma imagem, nenhuma luz. Fatigado, levantou-se a fim de voltar para a cama que improvisara. E foi nesse instante, algo que jamais esqueceu, que um raio de luz intenso penetrou pelo teto ausente. O buraco parecia encantado com a intensidade da energia que por ele perpassava. Tudo aquilo cegou Jaali. Apavorado e trêmulo quase não conseguia respirar. Algo, porém, começou a tomar forma. Uma cadeira imensa de ouro. Na verdade, uma espécie de trono e nele sentado um ser de beleza indescritível. Descia, descia, bem devagar. Que maluquice! Como pode acontecer alguma coisa dessa espécie?
Jaali encolhido no seu canto, mal podendo abrir os olhos. O ser encantado olhou para o infeliz mandando-o levantar-se. E começou a falar:
- Já algumas vezes estive aqui e, em algumas delas, também descobri homens fugitivos e amedrontados como tu. Não conheces nenhum porque vens de longe. Tornaram-se famosos e conquistaram várias coisas na vida. Toquei-lhes com as mãos de magia, transformando-os naquilo que seu desejo mais profundo almejava. Certamente, haverás de ter ambições se não por que fugirias para tentar uma vida nova? Diz-me: quais são tuas aspirações?
Jaali não podia falar. Tudo dentro dele paralisara. Sua postura era de um fantasma. Silenciou.