segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A natureza do escorpião

Uma fábula. Está escrita num livro. Se não me engano, o título é “Mentes Perigosas”.
Um sapo, à beira do rio, apronta-se para atravessá-lo. De repente, surge um escorpião: “Amigo, preciso chegar à outra margem. Por favor, me carrega nas tuas costas.” O sapo atalhou: “Tua fama não é boa, pois costumas trair a todos que se aproximam de ti”, ao que o outro se opôs: “Não é verdade, estou redimido, mal nenhum mais faço a ninguém. Prometo por tudo o que há de mais sagrado que jamais te ferirei. Não abandona este necessitado”.
O sapo com aquela índole generosa que, ao coaxar, no máximo espanta as estrelas sem qualquer incômodo levar aos outros animais da floresta, assentiu: “Pois bem, sobe nas minhas costas, mas antes promete que mal algum me causarás”. O escorpião não titubeou prometendo com toda a ênfase.
E a travessia do rio iniciou-se em meio a uma conversa amistosa. Na margem oposta, vencido o trajeto, o sapo virou-se e anunciou: “Pronto, estamos aqui, podes descer”. O escorpião, sem receio, aplicou um ferrão nas costas do sapo que, em seu estertor, queixou-se: “Puxa, esqueceste tuas promessas? Por que fizeste isso comigo?” O escorpião friamente asseverou: “porque é da minha natureza”.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

O Incidente do Cemitério

A professora Rita Vasconcellos era um ícone da música e do balé em Bagé. Inspiração para muitas moças. Senhora elegante, de fino trato, sempre vestida a rigor. Deixou grandes admiradores. Hoje, o lindo prédio do Conservatório de Música tem seu nome.
Quando do falecimento da professora Rita, em seu velório despontava um sujeito bêbado, que chorava com imensa tristeza à beira do caixão. Cena um pouco insólita, mas inevitável.
Saiu o féretro para o cemitério da cidade, atravessando toda a portentosa Avenida Sete de Setembro. Grandes lamúrias do bêbado, em meio ao silêncio consternado da população que acompanhava os restos da inesquecível mestra.
À beira do túmulo alguém tinha que falar. Ora, quem poderia ser: meu pai, Telmo Candiota da Rosa. Em todos os lugares discursava: velórios, casamentos, batizados, posse de diretorias de sindicatos, de clubes, etc. Palavra solta no ar, aconchegava-se o Dr. Telmo pondo-se à disposição para o “encargo”.
Enquanto isso permanecia o admirador ébrio agarrado ao caixão da professora idolatrada. Lágrimas copiosas acompanhadas por gemidos amargurados.
Orador à moda antiga, com gestos teatrais, voz com singular empostação, colocou-se o Dr. Telmo em frente ao caixão, e com uma das mãos no bolso e a outra em direção ao céu disparou: “Rita, se tivesse o dom divino diria, nesta hora: levanta-te e anda”.
O bêbado arregalou os olhos para o orador e arrematou com voz arrastada: “Por favor, Telminho, não me abre essa ferida!”
O Mathias me contou essa história e o secretário do pai, Jodolnei Trindade, me confirmou porque assistiu a cena.