terça-feira, 31 de julho de 2012

Almas delicadas

Há pessoas com almas delicadas. Gostam de orquídeas, de outras tantas plantas, de cães e de gatos. São capazes de chorar e sofrer o luto, quando um bichinho desses se vai. Almas delicadas são suaves como a música de Chopin, deixam-se inebriar pelos perfumes e também exalam perfumes, ao surgirem exuberantes no horizonte de um fim de dia. Gordos ou magros, feios ou bonitos, de qualquer cor ou opção sexual, de qualquer credo ou time de futebol, sempre pode haver aí uma alma delicada. Em verdade, Deus ao fazer o homem compensou os seus erros, enviando para a Terra essas almas, que levam paz, acalmam dores, adoçam amarguras. Não é comum, mas acontece. Você vai pegar o elevador e alguém lhe dá a frente. No trânsito difícil surge o motorista que com um sorriso lhe cede a vaga. O colega que desiste da vantagem em seu favor. O homem público que se nega a receber as regalias do cargo. Ah! Aí estão algumas almas delicadas. Sempre dispostas a ouvir, perdoar, renunciar, acariciar e dormir com os anjos, porque com a natureza dos anjos foram criadas. Se encontrar um ser assim iluminado, pare, afague seu rosto, beije seus pés, absorvendo a energia que dá sentido à vida. E siga com a esperança de que ainda vale a pena viver.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Análise

Puxa, nunca imaginei que o meu amigo Caruncho estivesse tão mal. Coitado, procurou um psicólogo que cobrou R$ 400,00 a consulta. Desistiu na hora. Mas a ansiedade não passava. Tinha que fazer algo. Como sempre se orgulhou de ser criativo, pensou, pensou e acabou por resolver o seguinte: comprou um espelho enorme e colocou na sala. Sentou numa poltrona em frente ao espelho, pondo-se a falar para si mesmo. Solução ideal porque a gente paga terapia apenas para ter alguém que nos ouça. Aquela imagem imóvel não incomodava, não cobrava, não exigia, não discordava. No terceiro dia da terapia, quando Caruncho estava no bom da lamúria, a imagem do espelho se levantou e foi embora. Saturada. Explodindo de tédio. Caruncho boquiaberto, estarrecido. Agora sem imagem. Bem, tinha que dar outra solução ao problema, porque a angústia não cessava. Foi até uma loja pet, que ficava a dois quarteirões de seu apartamento, e comprou um cachorro. Exigiu que fosse manso, pacato e disposto a obedecer. Mas especialmente que estivesse decidido a escutar o dono. Colocou o animal no pátio e sentou-se em frente dele, soltando o verbo de suas dúvidas existenciais. No segundo dia, o cão, após ouvir o rosário de lamentações, levantou, calmamente, e fez xixi na canela do Caruncho. Indignado. A coisa foi piorando. Os mendigos fugiam de Caruncho que corria atrás deles com uma nota de R$ 50,00 na mão. Pois é. O tempo passou e Caruncho, ao final das contas, encontrou a solução. Passou a gravar e filmar suas conversas. Dia após dia ia registrando tudo. Precisava mesmo era de um ser inanimado e a máquina se comportava bem. Meses se passaram. A terapia era um sucesso. A tranquilidade ia voltando aos poucos. Um dia, o zelador tocou na campainha do apartamento de Caruncho, porque há tempos não via o mesmo sair para o trabalho. Sem resposta. Batidas insistentes. Desconfiado, o zelador chamou os bombeiros que arrombaram a porta, deparando com uma cena grotesca: a imagem de Caruncho se lamentando no monitor da televisão e o vídeo rodando no aparelho. Caruncho caído de lado na poltrona com um copo de veneno na mão. Completamente morto. Não suportara assistir suas próprias queixas, tratando de procurar alguém que o ouvisse em outra encarnação. No centro espírita ao lado os médiuns começaram a abandonar o posto.