segunda-feira, 29 de março de 2010

O Guia

O rei viaja no olho da águia e é o dominador dos ventos.
Como uma estrela guia seus súditos pela ordem do cosmos.
Harmoniza as energias, conduz pela escuridão. Modela o que é belo. Desvenda os mistérios.
O rei traz o tom sublime na voz. Como uma flecha movimenta-se em seu eixo definido. É o próprio caminho, sem curvas perigosas, sem desvios incertos, sem atalhos de traição.
O rei é sóbrio e arrojado, transita pelas contradições sem jamais se desviar da rota. Herda a virtude da atenção, como delegado da fortuna.
Esbanja cicatrizes. Não foge das dores. Mantém a espada e a defesa. Atento ao inimigo, lidera seus exércitos. Na linha de frente é o primeiro da fila, o mais próximo da morte. O mais decidido ao sacrifício. Sempre o último a abandonar o campo de batalha.
Renuncia as vantagens. Protege seu povo.
Desconhece a discriminação. Modela um templo em seu coração e cuida-o com amor.
O rei é a ciência que descobre os opostos. Tempera as contestações, desenvolve o mais sutil sentido de justiça.
Conhece a exata hora de ceder, de chorar, de recuar com estratégia, de perceber o aviso que vem com a brisa.
O rei não conhece o sabor da tirania. Experimenta a cólera para a proteção dos justos. Recusa-se a odiar e repudia a vingança.
Não ofusca o brilho de ninguém.
Desafia a dimensão do tempo, da vaidade.
Ordena como sábio, concilia como anjo, pune como um pai.
Um rei é um rei dos homens e de seus sonhos, dos animais, das plantas, das águas, das montanhas e das planícies.
Cauteloso, observa o movimento e intui os episódios. Marca os traços da vida como se fosse o ritmo de uma dança.
O rei é maior do que todos sem desprezar o mais humilde de seus servos.
Vem do Leste, caminhando por entre as nuvens. E, quando parte, nunca é esquecido.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Político de Honra

Estou lendo “O Seqüestro dos Uruguaios” de Luiz Cláudio Cunha. Um jornalista. É interessante como os jornalistas têm estilo interessante. Leitura gostosa, emocionante.
Cunha vai narrando as agruras dos infelizes castelhanos e de seus filhos pequenos. O terror de uma ditadura. Incrível como as pessoas não fazem a menor idéia do que é viver num regime ditatorial.
O que mais me incomoda são os falsos esquerdistas, que fazem de tudo para desmoralizar a democracia, criando o clima propício para voltar o estado forte.
Lá pelas tantas, no livro citado, o autor explica as reações do então governador do estado do Rio Grande do Sul, Synval Guazelli, às tentativas de encobrimento do sequestro dos uruguaios. No fim do capítulo 11, lê-se: “Emendou com uma declaração de princípios, solene e definitiva: - O esclarecimento dos fatos se constitui em questão de honra, tanto para as autoridades federais quanto para meu governo e, acredito, para a própria nação. O governador gaucho estava colocando à prova mais do que a honra de seu governo. Synval Guazelli estava apostando sua biografia.”
Lembrei do início de minha vida de advogado, quando trabalhava com o Dr. Pinheiro Machado, a quem todos chamavam carinhosamente de Pinheirinho, reflexo de seu perfil simpático. Ele era comunista assumido. Foi preso três vezes, tendo seu escritório invadido e vasculhado. Era um excelente defensor das causas referentes ao direito administrativo.
Pinheirinho me contou que um dia fora com o deputado Synval Guazelli visitar um colega, que era preso político no Dops. Ao se despedir, o político vendo a humilhação a que era submetido seu amigo, chorou. Esse era o viés do espírito nobre de Guazelli.
Hoje, infelizmente, é quase impossível apontar essa têmpera em algum parlamentar brasileiro.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O meu papel de parede

O sorriso de uma criança é uma coisa que dá gosto na vida. Acende a luz num espaço de alegria dentro da gente. Olhar aqueles olhinhos marotos, cheios de energia, transmitindo o sentido de que ainda vale a pena. Todo o desgosto corre pela estrada lateral. O sorriso imuniza o humor e a viagem prossegue sem solavancos em direção à surpresa agradável. Sensação de leveza e água cálida a confortar o corpo.
Todos os dias vejo esse sorriso e renovo a esperança. Ainda há gotas de orvalho neste deserto. Há momentos em que nosso carro é puxado por cem cavalos. Certas tardes faltam cinqüenta; outras, oitenta. E os restantes se esforçam ao máximo para puxar a carruagem, que anda lentamente. Mas os olhinhos cintilantes à minha frente revigoram os cem cavalos. E eles voltam a correr com decisão.
Experimente isso. Ponha como papel de parede de seu computador a foto de uma criança amada, de preferência com um riso espontâneo. Quando começar sua jornada, a visão transbordará a beleza da ingênua graça, invadindo seus nervos, contaminando seus neurônios, afagando seu peito. Brisa inesperada numa tarde quente e sonolenta.
Vitamina sem comprimidos. Um afago de anjo.