terça-feira, 16 de agosto de 2011

Juiz tirano

Conheci um magistrado. Muito sério. Temido. De seu rosto saltavam faíscas, seus olhos lançavam trovões, seu silêncio era a revelação de um poço fundo lá dentro da alma. Lembro do que diz a Iolanda, era quieto e misterioso como uma água parada: profunda...e podre. Sem dúvida, bastante perigosa uma pessoa assim, com poder nas mãos sem ter méritos para acesso ao céu e, possivelmente, sequer ao purgatório. E a gente a esperar que daí venha alguma justiça.
Será que esse tipo ao chegar à porta celestial diante de São Pedro tem de apresentar seu conta-corrente de comportamento? Crédito e débito. Dois registros na primeira coluna e trezentas e sete mil na segunda. Interrogatório inicial - alguma vez: sorriu para alguém – dividiu a merenda – alcançou o remédio – deu bom-dia para o lixeiro – respeitou o sinal amarelo – parou para ouvir queixumes – perdoou a falta imprevista?
Como gostaria de assistir a esse julgamento para testar a sabedoria divina. Será que lá no céu os processos demoram como aqui na Terra? Quem sabe alguém já reencarnou três vezes e o seu processo celestial ainda não foi julgado?
Bem, até pode ser que algo seja diferente lá em cima, mas uma coisa é idêntica: muitos juízes aqui de baixo pensam que são tão divinos quanto os de lá.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Dias de névoa

Há dias em que eu gostaria de me transformar em um bebê e colocar-me nos meus próprios braços adultos e embalar-me com o carinho de trilhar uma estrada de fim de tarde, em silêncio. Dor de sentir o pulso batendo e a vida cobrando coerência. Mas, com toda calma, prosseguir num passo lento pelo leito macio do caminho e o sol esperando no fim dos olhos.
Pergunto-me: quantas pessoas são doídas assim, reagem com essa indolência de esperar que alguma voz mágica acuda e indique a via adequada. Quantas pessoas têm os órgãos internos paralisados pela dor e a umidade das calçadas?
Mas tudo segue, inexoravelmente, no rio do Heráclito. Passagens muito rápidas; outras, lentas. Inevitáveis, ainda que haja lágrimas e nem tudo indique pureza.