terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Atlas

Atlas, um dos titãs amaldiçoados por Zeus. Condenado a levar nas costas o firmamento. Coitado. Peregrinação eterna com o suplício de cuidar dos céus. E o pior: o ônus de zelar pela paz entre os homens. Pelas florestas, pelas planícies, pelos rios, pelas montanhas lá seguia ele com o globo imenso do peso imposto pelo castigo. Um dia, passando por um caminho que era a porta para o mar Báltico, onde hoje se localiza a cidade de Kiel, vislumbrou uma cabana próxima às águas. À porta, uma mulher lindíssima, de olhos azuis, com os cabelos loiros encaracolados. Parou. Retirou o globo que sacrificava seu ombro e dirigiu-se para a cabana. Aquela beleza divinal recebeu-o com carinho. Atlas entrou e deitou-se sobre o leito. A mulher, com a magia em seus dedos, passou a massagear as costas do titã. Todas as dores iam sumindo, experimentando Atlas uma harmonia de que havia esquecido há muito. Ali, com a vista para o mar, permaneceu por longo tempo. E conheceu o amor que saía e penetrava por todos os seus poros. Do lado de fora, o globo, suportando os efeitos do tempo. A chuva com a miséria, a fome, as guerras e o preconceito. O sol escaldante com o desamor, o abandono, a intolerância. Tudo isso a deteriorar as bordas da peça colossal. Atlas começou a impacientar-se. Já não dormia como antes. A visão do globo agredido era sua tragédia. E a magia da mão feminina, antes tão repleta de encantamentos, ia perdendo a eficácia. No início de setembro, quando o sol se escondia por detrás das nuvens, a feiticeira acordou, abriu a janela da cabana e ainda conseguiu ver Atlas, ao longe, seguindo seu destino com o globo nas costas, sem olhar para trás.