segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Bagé, a Revolução (2)

E nesse passo andavam as coisas, quando surgiu a notícia de que o general Joca Tavares, depois de fortalecer-se no Uruguai, marchava para a Rainha da Fronteira, a fim de arrebatá-la dos republicanos. Estavam certos os libertadores que a conquista de Bagé representaria um duro golpe no governo brasileiro, abalando a nova república. Dias de muita angústia à espera da invasão quando, de repente, ouviu-se ao longe o alarde de milhares de homens de aproximando. Com suas vestimentas e armas de guerra vinham resolutos para tomar Bagé. Avistado esse exército espalhou-se o terror na cidade, que era guarnecida por um número bastante inferior ao efetivo trazido pelo agressor, ou seja, quase um terço do total dos libertadores. Joca Tavares manda seu irmão Zeca Tavares tomar a estação ferroviária do Rio Negro, o que acontece em pouco tempo. Vencido Isidoro Fernandes que defendia o local. Controlados, assim, o acesso e o abastecimento da cidade. Os maragatos penetraram nas ruas de Bagé, levando o terror em suas investidas. Como era dificultoso manter prisioneiros, foi institucionalizada a degola como sistema. Disseminavam-se os corpos dos combatentes com o pescoço cortado de uma ponta à outra. Solução pragmática que encontrava eco na índole selvagem daqueles guerreiros. A população de Bagé ficou atordoada. Fugiu para todos os cantos possíveis, às vezes abandonando tudo o que possuía. Os maragatos iam tomando de roldão o território: Teatro 28 de Setembro, Beneficência Italiana, Mercado Público, quartéis, a Rua Barão do Rio Branco e a Enfermaria Militar. Em verdade, Joca Tavares foi empurrando os resistentes, que acabaram por ficar encurralados na Praça da Matriz. Ali foi feito o cerco da cidade, que ganhou fama na história pelos atos de bravura dos republicanos, especialmente do coronel Carlos Maria da Silva Telles que, mais adiante, combateu em Canudos, no nordeste brasileiro. A ordem de Floriano Peixoto para Carlos Telles é de que deveria resistir a qualquer custo. Mal sabia ele que, naquele momento, estava a desenvolver-se uma outra insurreição republicana, que visava a constituir a República de Bagé. Embora tenha sido curto o tempo em que durou o referido cerco (47 dias), o clima era desfavorável àquele infortúnio, pois se tratava dos meses de novembro de 1893 a janeiro de 1894, época do verão que, como já se mencionou, trazia um sol abrasante. Exatamente por isso sucediam-se as doenças, lotando as dependências da Igreja Matriz de São Sebastião (construída em 1820 e reformada em 1863). Tiroteios eram constantes, ficando as paredes do prédio cravejadas de balas. A fome atormentava a todos, que matavam cães e gatos para saciá-la. Até mesmo o cavalo do coronel Carlos Telles fora, a seu mando, sacrificado para amenizar a fome dos sitiados. A ordem era nunca ceder. Jamais se haveria de admitir a derrota dos pica-paus para os maragatos. E lá permaneciam, nessa situação precária, os republicanos bageenses, alheios às pretensões de pica-paus e maragatos. Em verdade, seu pensamento persistia, arraigadamente, na criação da República de Bagé. Vozes quase sufocadas naquele clima de desespero, Ervandil e Eurípedes tentavam manter o ânimo de seus aliados. Não raras vezes eram esses patriotas levados a conversar com Carlos Telles, que mantinha alguma distância, porque temia trair o governo central. Assim iam as coisas, quando aconteceu um fato decisivo. Em certa noite, os maragatos investiram contra as barricadas dos legalistas. Atiravam para todos os lados. Foi uma surpresa aos sitiados, que se defendiam desordenadamente. Carlos Telles, com sua bravura indômita, avançou contra os agressores. Um soldado de Joca Tavares apontou-lhe o rifle e atirou. A bala atingiria o coração do coronel. Mas, nesse exato momento, heroicamente, Pascoal Ângelo jogou-se à frente de Carlos Telles, entregando a vida dele para salvar a do chefe. A morte de Pascoal arrefeceu o ânimo pela nova república. Desestímulo completo de todos. Ervandil e Eurípedes desistiram da empreitada. Em 5 de janeiro de 1894, aproximavam-se as tropas mandadas como reforço por Julio de Castilhos. E, no dia seguinte, Joca Tavares recebe um telegrama de Gaspar Silveira Martins, concitando-o ao ataque final, porque Hipólito Ribeiro se aproximava para socorrer os pica-paus. Houve, então, uma última e frustrada tentativa de quebrar a resistência dos pica-paus, que resistiram ao ataque. Em sequência, os maragatos se apavoraram com a notícia da iminência da chegada dos reforços e bateram em retirada para Santana do Livramento. Levantado o cerco, aos poucos a cidade foi voltando ao normal. E, definitivamente, acabou por ser sepultada a República de Bagé. Dela restou apenas o testemunho da cruz, no Cerro de Bagé, onde está sepultado Pascoal Ângelo que, ao invés de primeiro-ministro, tornou-se o grande herói da república bageense. (obra de ficção)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Bagé, a República (1)

Pascoal Ângelo não podia mais suportar o calor que, no ano de 1893, chegava mais cedo a Bagé. Não havia quem não se queixasse do verdadeiro caldo que subia das ruas da cidade. Além disso, todos temiam os boatos de uma revolta federalista, projetada pelos descontentes com o governo de Julio de Castilhos, que governava o estado com mão de ferro. Resistência maior ainda era com Floriano Peixoto que sucedera Deodoro da Fonseca apontado como um feroz ditador. Todo esse clima de insatisfação somente fazia crescer a ansiedade dos planos traçados, em silêncio, por especial grupo de Bagé, que mantinha um grande projeto. Em verdade, o que se estava a propor era a criação de país independente, que se formaria por um amplo território, desde a atual Cachoeira do Sul até a cidade de Trinta e Três, que se localiza no Uruguai. O novo estado, sob a marca republicana, se estenderia ainda do porto de Rio Grande à cidade de Quaraí, tendo por capital, obviamente, a metrópole bageense. Isso tudo marcava a apreensão com a investida dos maragatos, de inegável formação monarquista, cujo grande ídolo era o bageense de personalidade marcante, senador Silveira Martins do Partido Federalista. Repetidas reuniões secretas se sucediam numa casa perto do cemitério, onde acabavam por serem traçados planos de conquista e de governo. Ervandil e Eurípedes, intelectuais com formação baseada na cultura francesa, eram os mais atuantes na empreitada. Afinal de contas, Bagé merecia aparecer no cenário internacional graças aos homens de escol que por lá viviam. Em verdade, várias tratativas desde algum tempo vinham sendo feitas com autoridades francesas e britânicas que, em princípio, não viam com maus olhos esse novo estado, que possuía familiaridade com a política europeia. Bagé poderia muito bem ser um ponto de neutralidade entre Uruguai e Argentina e o Brasil. Contavam os idealistas com a colaboração de vários expoentes da política e das forças militares. Inclusive já haviam atraído o filho de Bento Gonçalves, o chefe do Corpo de Transporte, Bento Gonçalves da Silva Filho que, depois, desertou abandonando a luta. O coronel Carlos Maria da Silva Telles não era antipático às pretensões do grupo, embora se mantivesse reticente. Pascoal Ângelo, mercê de seus dotes intelectuais e sensibilidade no trato da coisa pública, de família tradicional e caráter irrepreensível, figurava como o indicado para assumir o cargo de primeiro ministro no sistema parlamentarista que haveria de ser implantado. Poria em prática os ensinamentos e experiências da Universidade de Sorbonne.