quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O Mensageiro da Desgraça

Sujeito chato é o “mensageiro da desgraça”. Fulano morreu, que horror! Quem é que vai dar a notícia para a família?
“Deixa comigo.”
É... só podia ser ele.
Jogo do Internacional, um a zero. Prorrogação. Meu coração vai explodir. Me escondo no quarto a conselho médico. Uma batida na porta: golo do Corinthians. Ele, de novo.
Como? Uma aranha te mordeu? Era pequena, daquelas marrons caseiras? Puxa, então de prepara porque conheci uma mulher que perdeu os dentes, a pleura e a conta bancária por causa de um bichinho desses.
Toda a turma reunida, comemorando a greve. Esperança na resposta que viria na manhã seguinte. Triunfo dos servidores. Polpudo reajuste nos vencimentos. Mas ele aparece: ouvi no rádio que vão cortar o ponto dos grevistas e oferecer 2% de atualização anual.
Você não conhece um cara desses? A gente desvia dele, quando pode.
O “mensageiro da desgraça” chega no céu. Onde ficar? No setor de informações, ala dos que vão para o inferno. “Desculpa, mas é o seu lugar, meu amigo”. Felicidade eterna do mensageiro.
Bem, a única vantagem do inferno é ficar longe dele.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

As experiências

São interessantes algumas experiências da vida. Uma delas me marcou bastante. O testemunho da natureza humana, ou seja, como as coisas se desenvolvem por aí no dia a dia.
Durante dois anos ocupei um cargo público de alguma relevância. Daqueles que embelezam a gente com a maquiagem do poder. Em verdade, tipo daquelas funções que inspiram uma altura que realmente não possuem. Mas, de qualquer modo, é assim que a maioria vê a forma do posto. Na realidade, o valor do cargo está mais na atenção que a espécie de puxa-sacos lhe empresta.
Recebia cumprimentos de todos os lados. Se passava e alguém não percebia dava um jeito de correr atrás de mim para mostrar que não me negara o bom dia e soltava um sorriso de papel marche. Na mesa de trabalho montes de convites. Títulos e oferendas em solenidades com entusiasmados discursos de elogios. Alguns relatavam sua admiração entre dentes cerrados. Promessas, juras, agradecimentos. Tudo que escrevia ia para as publicações nas revistas. Propostas para lecionar e fazer palestras em todos os lugares. Intenso riso pelas minhas piadas. Meu pai e minha mãe jamais receberam tanta gala por ter posto no mundo aquele exemplo de homem público. Medalhas, diplomas, aperto de mão suplicado.
Final dos dois anos. De cem cumprimentos, apenas dois. Agora, não mais por desatenção e sim por pura displicência. Convites escassos. Títulos, apenas os de crédito. Elogios ou promessas? O silêncio. Portas fechadas para magistério ou publicações. Sem medalhas ou mãos estendidas. Pai e mãe novamente esquecidos. E as piadas? Nem preciso dizer que sequer eram ouvidas.
As coisas são bem assim. E exatamente por isso os magistrados se aposentam somente na compulsória e os políticos não largam os cargos eletivos. Embalados pela ilusão da glória. Sobreviver numa realidade que não existe como fundamento.
Belo, porém, é descobrir que superada essa fase, é possível conviver com pessoas agradáveis e desinteressadas. Daquelas que riem da piada, mas com espontaneidade. Nada devem e nada pedem e são capazes de fazer críticas sinceras e puras.
Sem dúvida, esse é o mar calmo e a melhor de todas as experiências.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Onde está a folha?

Certa vez, no auditório da Justiça Federal em Florianópolis, estava assistindo a uma palestra do grande professor Cretella Júnior. Era um velho por demais simpático. Ao contrário de seus livros, que trazem uma linguagem monótona, a aula se desenvolvia fluida e levemente, com refinado humor. O interessante é que ele segurava um pedaço de papel surrado na mão e, de vez em quando, consultava essas anotações. Vendo que alguns ficaram intrigados com aquilo, explicou os motivos da consulta. Era uma história que iria contar e que, desde que a conheceu, despertou agudamente a prevenção do palestrante. Jamais, a partir daí, deixou de levar papel escrito para o esquema das suas aulas. Segundo o professor, havia numa igreja do interior um padre que sempre fazia o mesmo sermão. Não sabia dizer outra coisa. Um dia, decidiu escrever dito sermão em várias folhas. Por fim, resolveu deixá-las no púlpito, local de onde os padres falavam antigamente, o que viria a facilitar seu trabalho. Um gaiato, querendo embaraçar o sacerdote, durante a semana foi à igreja e roubou a última folha do sermão. No domingo, começou a missa e, chegando o momento do sermão, o padre dirigiu-se ao púlpito e começou a ler as folhas que lá se encontravam. Foi lendo, lendo e, quando chegou ao fim da penúltima, constava: “e, aí, Adão virou-se para Eva e disse:” Atônito, viu que não existia a última folha. Suado, confuso, perguntou ao sacristão que se encontrava ao longe: “onde está a folha?”
Para não cair numa dessas é que o ilustre administrativista levava sempre sua folha consigo.