quarta-feira, 19 de outubro de 2011

As experiências

São interessantes algumas experiências da vida. Uma delas me marcou bastante. O testemunho da natureza humana, ou seja, como as coisas se desenvolvem por aí no dia a dia.
Durante dois anos ocupei um cargo público de alguma relevância. Daqueles que embelezam a gente com a maquiagem do poder. Em verdade, tipo daquelas funções que inspiram uma altura que realmente não possuem. Mas, de qualquer modo, é assim que a maioria vê a forma do posto. Na realidade, o valor do cargo está mais na atenção que a espécie de puxa-sacos lhe empresta.
Recebia cumprimentos de todos os lados. Se passava e alguém não percebia dava um jeito de correr atrás de mim para mostrar que não me negara o bom dia e soltava um sorriso de papel marche. Na mesa de trabalho montes de convites. Títulos e oferendas em solenidades com entusiasmados discursos de elogios. Alguns relatavam sua admiração entre dentes cerrados. Promessas, juras, agradecimentos. Tudo que escrevia ia para as publicações nas revistas. Propostas para lecionar e fazer palestras em todos os lugares. Intenso riso pelas minhas piadas. Meu pai e minha mãe jamais receberam tanta gala por ter posto no mundo aquele exemplo de homem público. Medalhas, diplomas, aperto de mão suplicado.
Final dos dois anos. De cem cumprimentos, apenas dois. Agora, não mais por desatenção e sim por pura displicência. Convites escassos. Títulos, apenas os de crédito. Elogios ou promessas? O silêncio. Portas fechadas para magistério ou publicações. Sem medalhas ou mãos estendidas. Pai e mãe novamente esquecidos. E as piadas? Nem preciso dizer que sequer eram ouvidas.
As coisas são bem assim. E exatamente por isso os magistrados se aposentam somente na compulsória e os políticos não largam os cargos eletivos. Embalados pela ilusão da glória. Sobreviver numa realidade que não existe como fundamento.
Belo, porém, é descobrir que superada essa fase, é possível conviver com pessoas agradáveis e desinteressadas. Daquelas que riem da piada, mas com espontaneidade. Nada devem e nada pedem e são capazes de fazer críticas sinceras e puras.
Sem dúvida, esse é o mar calmo e a melhor de todas as experiências.

Um comentário:

  1. Não acho que não houve glória em alcançar e vivenciar tão alto posto. Assim falo porque penso que a glória é coisa que foi desse modo criada pelo homem: oca. É um placebo. Vejo a glória e a ilusão quase como sinônimas, ou melhor, a primeira é espécie da última, que é gênero. Não sei qual a melhor sensação experimentável pelo homem, mas uma das boas talvez seja o reconhecimento; pelos pares, pelos amigos, pela família. Muitos contratam um ex-juiz para defender seus interesses junto a tribunais, imaginando que o cargo que ocupara automaticamente eleva-o a uma posição de respeitabilidade, como que se o passado talvez lhe confira uma espécie de voz mais audível. Entretanto, eu - que já pensei assim - reconheço no autor desse blog mais do que um juiz: um homem justo e excelente advogado, inteligente e dedicado. Dotado de uma voz potente e audível ao natural. E, surpreendentemente, um bom contador de histórias.

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