segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Rato de Biblioteca

Não tinha mais lugar no escritório. Levei, então, vários livros para o sítio, colocando-os numa prateleira no galpão.
Passados dois anos, fui procurar alguma coisa sobre prova no processo penal e constatei que alguns volumes já tinham sido comidos pelos ratos.
Tratei de vigiar a atividade dos invasores. À noite, sorrateiramente, abro a porta e encontro o rato Gontrão roendo a “História da Revolução Francesa” do Carlyle.
-Puxa, Gontrão, logo esse aí que custou tanto ao autor salvá-lo? Por que não pegaste um volume da revista do tribunal que não tenho mais onde colocar?
- Tentei, mas achei sem gosto.
Sem perder a calma, Gontrão relatou-me o lado pitoresco e também trágico da revolução gaulês.
- Como pode um fato histórico de tamanho significado para a oxigenação da cultura ocidental vir marcada pelos barbarismos cometidos? Havia uma raiva brutal nos homens. Em Arras, por exemplo, o representante Lebon, banhava sua espada no sangue que emanava da guilhotina, exclamando: “Como eu gosto disso!”
Impressionou-me a assimilação do Gontrão nas páginas engolidas do argentino Joaquin Gil Editores. Como é que pode?
Então, pensei: e seu eu tentasse engolir pelo menos uma parte de “O Capital” do Marx que jamais consegui entender. Será que poderia manter diálogo com o meu irmão que sabe tudo de filosofia?
Me enchi de coragem e comi páginas misturadas com batida de banana. Foi difícil engolir. Mas no dia seguinte é que a coisa piorou: prisão de ventre com cólicas atravessadas durante a noite. “A rotação total do capital empatado é a média das rotações de seus componentes”. E lá vinha uma dor aguda a massacrar a barriga. “A rotação do valor do capital empatado se distingue, pois, de seu período real de produção ou do período real de rotação de seus componentes”. Cólica que trespassa o abdômen e descamba no berro desesperado: “Iolanda, me ajuda, o Capital tá me matando.”
Um semana depois, ainda enfraquecido, volto ao galpão. O Gontrão desaparecera. Porém, encontrei a rata Pulquéria levando seus ratinhos para comer Piaget na esperança de assegurar o futuro de seus filhotes.
Realmente, não tenho estômago para rato de biblioteca.