quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A Fuga de Brizola para o Uruguai

Golpe militar de 1964. Leonel de Moura Brizola, o líder da Legalidade, tinha que desaparecer. Procurou abrigo nas casas de vários companheiros, sucessivamente, sendo sempre bem acolhido, para despistar seus perseguidores. Logo, porém, se convenceu de que era insegura a situação. Tinha-se de encontrar algo incógnito, um esconderijo onde as forças da repressão não tivessem acesso. E, exatamente com a noção do inverossímil, Brizola acabou se abrigando no apartamento de seu grande amigo Ajadil de Lemos, advogado famoso, que residia na rua Duque de Caxias, bem perto do Palácio Piratini, sede do governo estadual. Com Ajadil, e sua esposa Lenir, o líder passou algum tempo. Hóspede ilustre e discreto. Sabendo que sua vida, na melhor das hipóteses sua liberdade, bem como de seus hospedeiros, estariam em risco, logo teria que deixar o país. Montou um plano, e acionou poucos amigos confiáveis (por segurança da família, nem a esposa Neusa sabia de seu paradeiro), que passaram a arquitetar a fuga. As buscas dos militares se intensificavam cada vez mais. Todos temiam pela integridade física e até mesmo pela vida de Brizola. Na época, João Goulart já estava no Uruguai, para onde tinha fugido em seu avião particular. Concordou em participar do projeto de levar Brizola para o lado oriental. A partir dessa intenção do presidente deposto, foi acionado o plano de Brizola. Tudo seria feito da seguinte maneira: Jango mandaria seu avião, pilotado por Maneco, de total competência e fidelidade, que viria sobrevoando o oceano, em altura mínima para despistar os radares, devendo aterrissar na praia do Pinhal, ao sul do Rio Grande do Sul. Quando chegasse, lá deveria estar aguardando Brizola, que embarcaria, novamente alçando voo, de imediato, a aeronave. Algo como um filme de aventura, tudo sem abrir mão da pontualidade britânica, sob pena de todos serem presos e apreendido o avião. Logicamente, alguns dias foram aprazados para os preparativos. Jango fizera sua parte no planejamento. Agora, o resto dependeria do pessoal de apoio em Porto Alegre. Por tal modo, no dia previamente acertado, Brizola entraria no porta-malas do Opala de Ajadil, dirigido apenas por Lenir, que iria novamente às compras na feira de Águas Claras, onde estaria esperando um grande amigo de Brizola, que o transportaria até Capivari. Nesse local, Brizola entraria no automóvel de outro grande amigo; neste veículo, muito rápido, o líder da Legalidade seria conduzido até a Praia do Pinhal, onde desceria o avião de Jango. Bom plano, bem organizado, com amigos fiéis e destemidos pilotos. Foi assim que entrou em cena Lenir, a esposa do notável advogado. Conforme planejado, no Opala, ela saía, quase diariamente, de seu apartamento na esquina do viaduto da Borges, dirigindo-se à feira de Águas Claras, caminho para a praia. Ali, fazia suas compras e, calmamente, voltava para casa. Tal procedimento repetiu-se por vários dias. Tornou-se o itinerário uma verdadeira rotina, porque o que se buscava era o óbvio, que torna tudo invisível. Na data combinada, o esquema foi acionado: Brizola, vestindo uma farda de capitão da Brigada Militar, previamente preparada pelos amigos, entrou no porta-malas do Opala. Lenir assomou à rua Duque e tocou para sua feira em Águas Claras, com a carga preciosa que tanta honra causara ao povo gaúcho. Quanta coisa estaria se passando na mente dessa mulher corajosa?! Lá se foi ela. Primeira parada: Águas Claras. Ninguém esperando. O que teria havido com o “amigo”? Impossível esperar. Brizola sentenciou: teriam de retornar e abortar o plano. Lenir negou-se. Discussão entre os dois. Finalmente Brizola concordou e entrou no carro ao lado da motorista. E seguiram adiante. Nervosismo. Silêncio. Passaram por patrulhas militares sem serem interceptados. Segunda parada: Capivari. Nada de seu outro grande “amigo”. Posteriormente, soube-se que os amigos fiéis “tremeram a perna”, porque a repressão estava muito violenta. Indignação de Brizola. Agora, sim, era inevitável que abortassem o plano. Lenir resistiu. Nova discussão. Mas a deusa que residia naquele coração não permitiu que Brizola saísse do carro e seguiu para a etapa final: a praia do Pinhal. Correu, buscando a inspiração que move as pessoas com brilho, e conseguiu: chegaram no horário em Pinhal. Lá, bem distante, no mar, avistaram um ponto. Era o avião com Maneco, que vinha baixinho, quase tocando na água, e se aproximava da praia. Lenir acelerou o Opala, invadiu a areia e acompanhou a aterrissagem do avião. A aeronave parou. Maneco nem desligou o motor, as hélices continuaram girando. Abriu a porta e Brizola saltou para dentro com sua maleta. De imediato, houve a decolagem. Assim, alçou voo o gaúcho ilustre para um exílio que duraria quinze anos, com os olhos em sua terra e a tristeza profunda de ser vítima da injustiça. Fim de jornada. Ali na praia deserta, ficara Lenir assistindo o avião levar seu “passageiro” em direção ao Uruguai. Por alguns minutos, apenas alguns minutos, tempo da sensação de conforto vivida somente pelos justos. Pois é... LENIR, sim, determinada, e verdadeira AMIGA. Pequena história de um episódio que revela nossa heroína, a mulher gaúcha, brasileira, exemplo de honradez e desprendimento, a quem se rendem homenagens. Esse nome deveria ser lembrado por todas as mulheres deste país, porque seu exemplo serviu de lição para alguns homens “destemidos”. Obs.: essa história me foi contada por Paulo Schmidt, que ouviu os detalhes que não conhecia, posteriormente, diretamente de seu amigo Brizola e de Lenir.

domingo, 22 de setembro de 2013

Passeio sonâmbulo

Onde está a paixão nesses olhos caídos? Onde está a paixão nesse jeito maroto de suar amor? Eu poderia gritar e não ouvirias nada. Eu poderia chorar e não sentirias nada. E enquanto escrevesse estes versos na sombra do teu corpo cintilante, distraída seguirias regando as flores.

domingo, 11 de agosto de 2013

Mapa do silêncio

Você já experimentou a magia de ouvir o silêncio? Pois é, de forma simbólica, vivendo a mais profusa contradição. Acordes que perambulam como nada, dançando imóveis, enquanto no espírito entra o silêncio, desvendando mistérios. Tal prática só pode ser noturna, porque é quando a natureza dorme e a dúvida permanece vigilante. Noite “rainha nascida destronada”, que traz sonhos e impõe a interminável luta dos extremos, tudo no exato instante em que se começa a ouvir o silêncio.

domingo, 4 de agosto de 2013

Buraco do coração

O ponto errado é onde entram na vida da gente todas as coisas que não fazem sentido. Como numa tarde em que há sol e a vista é bonita, mas invade o corpo uma sensação de frio e, especialmente, de um vazio incompreensível. Essa espera de indecisões é saudável porque mantém a energia da dúvida. Os previsíveis são tristes e monótonos. Já viram alguém virar o jogo sem emoção?

domingo, 2 de junho de 2013

Frango em Bariloche

O Carlinhos é gente fina. Mas pra falar espanhol é um desastre. O alemão foi passear em Barichole e alugou uma casa. No dia da chegada, resolveu fazer uma janta. E foi à venda buscar comida. Entrou e viu no balcão a argentina gorducha com neve no humor. “Tienes frango?” “Ãh? no lo entiendo, señor”. “Frango, franguito, de asitas, asi, asi” e o freguês atrapalhado batia os braços, como um “franguito”. “No, no lo entiendo”, insistia a mal-humorada. O alemão começou a ferver, remoendo: “essa gorda recalcada quer tirar sarro de mim, mas ela vai ver”. “Por favor, dona, se uste es uma gajina como se chaman tus filhos?” “Ãh?” “Tus filhos, tu uma gajina, como se chaman tus filhos?” Ela, de súbito: “Pedro y Álvaro”. .

domingo, 5 de maio de 2013

Parar o mundo

Quantas vezes a gente é obrigado a enfrentar situações difíceis e inesperadas. E fica sem resposta. Esse seria o momento mais adequado para parar o mundo e pensar em como reagir. Apenas um tempinho a fim de pensar. Invocar Parmênides. O silêncio, em geral, se não para o mundo, pelo menos impede reações precipitadas. Porém, às vezes, se perde o instante exato para a resposta eficaz. E aí não adianta mais nada. Fica-se com a sensação de ter agido como um tolo. A bola passou e a gente não viu. Por isso é preciso insistir, bater pé com Deus, porque um dia, certamente, ainda poderemos parar o mundo.

terça-feira, 30 de abril de 2013

A divina indiferença terrestre

O território da “divina indiferença terrestre”. Fica ali, logo abaixo do joelho, por onde corre o sangue e flui muita energia. Lugar de sabedoria em que se aprende a tirar o peso das costas. E eu aqui dentro da minha cabeça. Milhares de quilômetros desse lugar onde poderia curar tantas feridas. Pensei, pensei bastante em como poderia chegar lá. Mas o meu barco estava ancorado no porto sem poder partir. A maré teria de subir para iniciar a viagem. E isso não acontecia. Foram semanas, meses, anos e a maré não mudava. Triste, desconsolado, quase me dobrei ao conformismo. Porém, uma noite de inverno, lembrando da minha infância, comecei a chorar. Sete dias derramando lágrimas sentidas, que encheram o mar, permitindo que meu navio, finalmente, partisse. E foi assim que empreendi esta viagem, com a sôfrega expectativa de um dia aportar no território da “divina indiferença terrestre”.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Parar de fazer perguntas?

Parar, por quê? A vida tem que ser dessa maneira: uma história sem fim. Num artigo de Terezinha Rios li uma citação tirada do livro As palavras andantes de Eduardo Galeano: “Ela está no horizonte (...). Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar”. Pois é. Certos dias de chuva e frio insistem em quebrar a utopia. Mas ressurge a luz, com um sol que traz novas dúvidas. E voltam as perguntas.

terça-feira, 2 de abril de 2013

O Silêncio

A experiência de ouvir o silêncio, por dentro. O silêncio, onde repousa harmônica, toda a verdade, sem trincos, sem enigmas, sem censura. Tudo isso no correr dos dias, ainda que as gotas de suor molhem a esperança e as dúvidas se sucedam. Jamais, porém, perdendo o poder sublime de ouvir o silêncio. E por dentro.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Meu amigo André tem uma receita fantástica para resolver os problemas de nossa gente. Alguns pesquisadores se reuniriam num laboratório e criariam as gotinhas milagrosas de NOÇÃO. Para cada projeto de lei absurdo ou decisão judicial insólita, gotinhas de noção. Para cada motorista que embaraça o trânsito, gotinhas de noção. Para cada delegado que adora dar entrevistas na televisão, gotinhas... Distribuídas pelo Ministério da Educação, porque economizaria sobremaneira o ensino público. Ouvi de uma moça uma história. Ela foi à casa de uma amiga e viu o filho desta brincando no pátio. Ele pegou um sapo, encerrou num vidro e colocou numa fogueira, deliciando-se ao assistir o bicho se contorcendo. Nisso, aparece a mãe, põe as mãos na cabeça e grita: meu filho vai ser cientista! Mil gotinhas de noção.

domingo, 10 de março de 2013

Hoje

Hoje, amanheceu chovendo. Dia de saudade. Pego o guarda-chuva e vou buscar o jornal no boteco do Joaquim Zu. Negro safado com humor de coluna vertebral estragada. O Zu. Cinquenta e oito anos de idade resolveu namorar uma guria de vinte e quatro. Safado mesmo. Pode ser que melhore. Tenho esperança de encontrar um amigo na volta. Serviria para ele um cafezinho e, enquanto ouvíssemos Mozart, poderíamos comentar sobre a fragilidade da zaga do Internacional. Isso tudo ao som do chiado insistente dos pneus dos carros no asfalto molhado, levando para o bate-bola na Praça de Desportos de Bagé, lá por 1955. Ora, vejam. Não disse que ia pintar saudade?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Atlas

Atlas, um dos titãs amaldiçoados por Zeus. Condenado a levar nas costas o firmamento. Coitado. Peregrinação eterna com o suplício de cuidar dos céus. E o pior: o ônus de zelar pela paz entre os homens. Pelas florestas, pelas planícies, pelos rios, pelas montanhas lá seguia ele com o globo imenso do peso imposto pelo castigo. Um dia, passando por um caminho que era a porta para o mar Báltico, onde hoje se localiza a cidade de Kiel, vislumbrou uma cabana próxima às águas. À porta, uma mulher lindíssima, de olhos azuis, com os cabelos loiros encaracolados. Parou. Retirou o globo que sacrificava seu ombro e dirigiu-se para a cabana. Aquela beleza divinal recebeu-o com carinho. Atlas entrou e deitou-se sobre o leito. A mulher, com a magia em seus dedos, passou a massagear as costas do titã. Todas as dores iam sumindo, experimentando Atlas uma harmonia de que havia esquecido há muito. Ali, com a vista para o mar, permaneceu por longo tempo. E conheceu o amor que saía e penetrava por todos os seus poros. Do lado de fora, o globo, suportando os efeitos do tempo. A chuva com a miséria, a fome, as guerras e o preconceito. O sol escaldante com o desamor, o abandono, a intolerância. Tudo isso a deteriorar as bordas da peça colossal. Atlas começou a impacientar-se. Já não dormia como antes. A visão do globo agredido era sua tragédia. E a magia da mão feminina, antes tão repleta de encantamentos, ia perdendo a eficácia. No início de setembro, quando o sol se escondia por detrás das nuvens, a feiticeira acordou, abriu a janela da cabana e ainda conseguiu ver Atlas, ao longe, seguindo seu destino com o globo nas costas, sem olhar para trás.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O vazio

O vazio. É como o passado que não corresponde a nada. Olhar, da sacada, os carros e as pessoas que trafegam. Outra dimensão. Outra realidade. Fora e distante. Mas ali nos meus olhos, na minha pele, no meu descaso. Pessoas que têm o vazio por dentro cruzam o interior das outras nas avenidas movimentadas. Sem nenhum sonho e com a percepção apenas no destino, que é branco e inodoro. Nem céu nem inferno, vitória ou derrotados. A indiferença com as horas. Um relógio no pulso com a bateria há muito gasta e solitária. Coerentes percursos sem emoção. Palavras que não saem da boca porque não há o que dizer. Não é dor nem alegria, esperança ou desespero. Simplesmente o caminhar transparente, quando bate meio-dia no sino da igreja e o sol está ainda por nascer. Se não há sensação há, pelo menos, leveza ao dobrar a esquina e desaparecer.