quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Fases difíceis

Há fases difíceis na vida. Parece que correm nas veias fantasmas famintos, vampiros da graça sedentos de sorver as ternuras que restam. É aí que a gente gostaria de ser um livro. Passaríamos da folha 74 para a 182, sem qualquer temor. Vários capítulos pulados, como um salto nas extremidades de um abismo. Daqueles abismos do “Senhor dos Anéis” em que tudo é mágico. Mas, infelizmente, não dá. A leitura pesada, repetida, monótona e doída tem que ser feita na íntegra. O único consolo é que se sabe que vai chegar à página 182, mais cedo ou mais tarde. E, nesse momento, haverá mais luz na janela, um raio de sol e uma brisa refrescante no ânimo.
Quando se envelhece os tombos são mais repetidos e perigosos. Riscos de músculos cansados, olhos com as nuvens do tempo e distração do vento. Mas há uma vantagem: a gente sabe melhor onde se agarrar, percebe que os finais somente o são na aparência. E mais: olha-se pela veneziana e percebe-se a tempestade que se aproxima e que ninguém vê. Dá um espaço para recolher-se, abrigar-se e viajar na introspecção dos cabelos brancos. Sabe-se inebriar a solidão, transformá-la em caleidoscópio de cores vivas. E tudo segue para um final cuja distância jamais é percebida, não interessa se a idade é de 30, 40, 60, 80 ou 90 anos. Só há juventude no momento em que se vive; a velhice permanece em chorar o passado. Isso tudo numa tarde de janeiro, com calor escaldante, sem nenhuma nuvem no horizonte a indicar chuva.