quinta-feira, 30 de julho de 2009

Dentro do estômago

Galerias incomensuráveis nas paredes do estômago. Tudo arquivado. Todas as angústias, os risos, as conquistas, as percepções estão lá, bem catalogadas. Enfim, nada do que fora engolido havia se perdido. Então, atrevo-me a folhear um dos arquivos para saber o que foi registrado.
Pastas das angústias tragadas. Lá estão o meu vestibular na URGS, a culpa por tudo que falhei nos meus relacionamentos, o concurso para juiz federal, a aposentadoria, as separações, a perda das pessoas amadas: filha, pai, avô, o Ivo. É uma sala escura, quase impenetrável. Quando se chega lá, lágrimas saltam dos olhos. Ouvem-se sons do que restou sumido. Sente-se ausência, respira-se omissão. É como um céu nublado no campo, com um silêncio misterioso, à tardinha.
Do lado dessa galeria estão as tristezas. Minha filha diz que os versos que aprecio são tristes. Acostumei-me a ler poesia com os olhos dessa galeria. Alguma coisa vaga pela noite, mas não se trata de fantasmas. Só uma saudade desacostumada. Fantasmas assustam; só a saudade entristece. A noite contém o vazio, mas um vazio que me torna ansioso e que por isso mesmo não é vazio, mas aviso de que alguma coisa vai mal lá por dentro da galeria do desconsolo. Sempre deixei uma fresta nas janelas desse lado. É preciso arejar as agruras. Se não, se passa a consumir a vida em queixumes insistentes e desanimadores. Desse tipo são os homens pobres de espírito a respeito de quem dizia Mefistófeles:

“Não, senhor. Quanto eu lá vejo
passa até de ruim. Chega a haver dias
que eu próprio tenho lástima dos homens,
coitados! Nem me animo a atormentá-los.”

A história tem seus personagens trágicos, que não merecem ser atormentados. Um deles foi Mussolini. A respeito dele comentou Umberto Eco em seu livro “Cinco Escritos Morais”: "Em seus primeiros anos anticlericais, segundo uma lenda plausível, pediu certa vez a Deus que o fulminasse ali mesmo para provar sua existência. Deus estava, evidentemente, distraído."

No outro extremo do estômago estão registrados os prazeres mundanos. Festas embaladas por sonoras risadas extraídas de uma cerveja bem gelada. Mulheres, parte nobre da costela de Adão. Filosofias, teorias salvadoras, idéias com brilho, discursos emblemáticos. O tecido, nessa parte, tem um colorido intenso, multifacetado. Sonhos, contos fantasiosos, declarações de amor, sexo enlouquecido. E muito cigarro...sim, muito cigarro. Prazeres inegáveis, por muitos proibido, como se a cabeça não fosse para criar besteiras, o aparelho digestivo para engolir impurezas e os órgãos genitais para criar o êxtase. Quem disso não morreu um pouco, custou a morrer, mas sem paixão.

Um comentário:

  1. Simplesmente maravilhoso! O texto...não sei. A beleza da exposição da tua alma...talvez. A coragem de acender as luzes do teu interior e mostrar ao mundo o que outros escondem, por timidez ou covardia. Parabéns, irmão amado.
    Mara.

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