terça-feira, 28 de julho de 2009

Prestação de contas

Ao chegar-se no inferno há filas imensas aguardando na aduana. Um passeio demonstra as fontes das criaturas que mereceram esse destino. Um grupo de políticos comenta o desfecho das CPIs, a discussão sobre as emendas ao orçamento. Outros, vestidos a caráter, lembram das Ferraris e dos cruzeiros nos seus iates abastecidos pelos empregados mal remunerados. Alguns, em vaidade comentada, apontam as glórias nos palcos, as honrarias, os oscares recebidos em festas sodomizadas. Os presidentes, embaixadores, ministros, magistrados dos tribunais superiores, chefes de autarquias, altos assessores e cantores de fama recordam das mordomias, dos bons tempos em que os favores emergiam de uma terra recheada de espíritos primários, amorfos, dependentes, sugadores. E assim segue essa turba de vampiros, com o sangue de um povo ingênuo, aguardando que se abra a porta das terras do demo.
No outro extremo está o paraíso. E ali a fila também se estende por uma avenida de flores. Alguns lembram que sempre quiseram dormir com os anjos, beijar a brisa, ouvir o canto dos pássaros. Jamais foram escravos da riqueza e souberam dividi-la com aqueles que mereciam um impulso na vida. As primas da Ladi estarão lá. Com vestes brancas em que não se enxerga o mínimo sinal de escuridão. Na verdade, não são as vestes mas a alma que envolve a neblina do sublime que resplandece ao vento. Professores humildes, autores simples, poetas desinteressados, jogadores que passavam a bola ao invés de fazer o golo. Quem abriu a janela do carro e mandou o transeunte passar. Quem parou para socorrer, foi assaltado e, dias após, parou para socorrer de novo. Esse sujeito é um louco, mas louco de tão bom. Deus gosta desses tipos, malucos na aparência. Veem a verdade por um filtro que fica no lado esquerdo da cabeça, entre os olhos e a orelha. Ali entram os sons do silêncio que só esse lado esquerdo ouve. Lá na fila do céu estão os que não temem a morte. Mas não os covardes que não querem enfrentar as agruras da vida. Não ter medo da morte é atingir a consciência de que tudo é igual, ou seja, não existe um fim.

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