Um grupo de pessoas está à beira do rio Estige, aguardando a barca de Caronte.
Um sujeito olha para o relógio e diz:
- Porra, como tá atrasado esse cara!
Um outro diz para o do lado, apontando para o reclamante:
- Só pode ser paulista.
Alguém se queixa:
- Tanto bem fiz na vida. Por que esse é o meu destino? Como é injusta a lei divina!
O interlocutor atalha:
- Mas não era você que mantinha uma loteria fraudulenta?
- Sim, mas isso perto do que os políticos roubam é pouca coisa. Deveria ser aplicado o princípio da insignificância para que eu ficasse um tempinho no purgatório. Não mais do que isso.
- Ora bolas, você acha que Deus está para brincadeira?
- E você que está aí a deitar moral, afinal o que fez para merecer o inferno?
- Matei minha mulher que estava me traindo com o vizinho e, depois, me suicidei.
- Puxa, viu só? Isso é motivo para ser condenado ao suplício eterno? Matar mulher que trai?
- É que pretendo encontrá-la de novo lá no inferno e reatar as relações.
- Não é possível. Você merece mesmo o inferno, cabra da peste. E isso se os chifres permitirem que entre pela porta da frente.
- Guampudo como sou até vão me confundir com o demo.
Nisso aponta entre a névoa a barca de Caronte, um sujeito feio, mal vestido e neurastênico.
-Façam fila, seus idiotas. E não se esqueçam de pagar a viagem, incluído o imposto de conservação do navio e o pedágio que o governo obriga para a limpeza da água.
O paulista enfurecido:
- Animal, você se atrasa e ainda chega gritando. Não conhece o código de defesa do consumidor? E digo mais: não pago imposto nenhum, afinal de contas já estou no inferno mesmo. E aqui a água tem que ser suja desse jeito.
- Ah é, responde Caronte. Vais ver o suplício que te espera. Irás ferver no fogo da galeria dezenove.
- Pelo mesmo tempo que pagam precatório do IPE do Rio Grande do Sul?
- Sim.
- Ok, então retiro o que disse. Pago tudo.
As pessoas vão se acomodando na barca num banco apertado. A lotação está completa.
- Isso aqui parece sala de emergência de hospital do SUS, diz o paulista. Tá certo que os capetas de lá são mais cruéis.
- E falta verba para a limpeza, complementa outro.
- E a comida, então? Um enfermeiro me contou: “Aqui, preparamos os doentes para a morte.” Para a recompensa do céu? Indaga o enfermo. “Não, para esquentar o bolso do Caronte.”
- O paulista percebe a deixa e pergunta: “Senhor Caronte, não aceitaria um depósito nas Ilhas Cayman para me colocar nos seus aposentos?” O servidor do inferno dá uma chicotada no paulista e afirma: “Cá no escuro tem que ser honesto.” Mas se vira e diz no ouvido do paulista: “Quanto?”
Nisso, o Diabo lá no seu trono, vendo tudo, comenta: “Esse Caronte...”
quarta-feira, 29 de julho de 2009
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