quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Matou tem que comer

Perder-se nos bairros árabes. Sempre adorei sentir-me perdido, sem ter idéia para onde ir. Naquele momento tudo é interrogação, ansiedade, prazer de mistério. Já era assim quando ia pelos matos nos braços do rio Camaquã, pulando barrancos, me enredando nos espinhos, caindo nas pedras, com as botas no arroio e a água fresca no rosto. O berro do Jacu assustado. Coração explodindo. Passo a passo, barulho de folha seca pisada, respiração curta, a arma engatilhada. Enfim, a descoberta: lá está ele, imponente, na árvore alta. Lentamente a mira é feita e o tiro disparado. Cai a ave e, como sempre, num lugar quase inacessível. Como matar e não levar? Como matar e não comer? Isso era crime na consciência. Assim acontecia no meu tempo: matou tem que comer (lei das bichas). A verdade é que a Birucha se encarregava de elaborar os pratos. Uma vez, matei uma saracura e fiz assada no espeto: horrível, intragável. Nem os cachorros aceitaram. Mas caçador que se prezava tinha que se alimentar da caça ou era criminoso nas regras da Casa Branca. O regulamento, porém, não se aplicava às caturritas que exterminavam o milho e as peras. Essas se podia matar à vontade. Depois, eram entregues aos porcos, degenerados animais, que pegavam as aves feridas na asa, ainda vivas, e engoliam-nas devagar. O bicho gritando e entrando na goela do suíno como num túnel do tempo, o som diminuindo, diminuindo, diminuindo. O trágico fim de uma caturrita. Daria uma boa cena de filme...de terror. Buscar o jacu abatido no meio do banhado, à beira do mato. Por que o desgraçado tinha que cair ali? Voltas e voltas. As botas enterradas no barro. Opa, cuidado se não me enterro todo. A caça ali no chão. Tenho que pegá-la. Como, depois, vou me gabar ao Telminho? Indubitavelmente, tenho que pegá-la. Questão de honra. Uma estaca estendida, uma pedra atirada. E, por fim, preto de barro na roupa apanho o bicho. Como me lembrava disso nas discussões de plenário do meu tribunal, quando debatia com algumas aves togadas! Meus argumentos de bons teriam se tornado ótimos com uma doze empunhada. Eliminados alguns jacus a justiça teria sido bem melhor para o povo. Só que teria de comê-los...argh!

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