segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A terrível síndrome de limpa trilho

Há situações muito estranhas. Estava no Forte de Copacabana com a Iolanda e sentamos numa mesa da filial da Confeitaria Colombo. Pedimos dois sorvetes embora ainda estivesse farto do almoço. Vieram duas montanhas: chantili, nata, marschmellow, frutas e sorvete (ah, e a bolacha). Comi naquele silêncio de quem aproveita um canto do paraíso. Cheguei ao fim na exaustão de um queniano que se aproxima da linha de chegada de uma maratona de quarenta quilômetros. Aí a Iolanda se virou para mim: “não quero mais o meu.” Sobrara parte da montanha. Lá fui eu para completar a maratona dela. Tracei. Pagamos e saímos. Sensação estranhíssima. Senti nitidamente que eu era dois: a minha pessoa e na frente a minha barriga, caminhando independente, com vida própria, parecendo um balão. Pernas bambas: “ei, barriga, espera aí, mais devagar.”
Quando casei em 1968 tive logo três filhos. Para ganhar dinheiro trabalhava de manhã, de tarde e de noite. Economizava nos detalhes. Ia em três supermercados para ver os preços mais baratos e comprava os produtos considerando isso. Pesquisa de falido. Por tal modo, grande era minha ânsia ao ver as crianças pedir comida e deixar no prato. Aquele filé à milanesa em Montevidéu com salada de batatas. Metade no prato dos guris. Não é possível. Comia tudo. O doce em Gramado. Lá ia eu. Por sorte, era magro e não havia o que me engordasse. Ocorre, porém, que adquiri a síndrome do “limpa trilho”. Até hoje, então, vou com a Iolanda nos restaurantes e me atormenta deixar os restos. Às vezes, me policio. Ela abandona aquele “coq au vin” e evito olhares para seu prato. Rabo de olho para o “coq”. Angústia. Fantasmas da época da falência. E me aproximo para comer só um pedacinho, que se transforma em dois, em... Duro. Muito duro. Só não é mais pela moleza que ficou minha barriga. Sabem, aquela que anda na frente, de vez em quando.

Um comentário:

  1. Ontem, almoço de domingo vi as atitudes da minha Sra. e lembrei desta postagem, realmente a "síndrome do limpa trilho" as vezes se instala. O restaurante era um pouco mais requintado que o normal, mas, imaginem o requinte aqui em Pelotas (risos), bah... Acho que as impressões, experiências e atitudes de nós humanos são meio que padronizadas mesmo; mudam o lugar, os personagens e as situações, mas o comportamento é o mesmo.

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