terça-feira, 3 de novembro de 2009

O meu barbeiro Melo

Morreu a mulher do Melo, o meu barbeiro. Sua melancolia me contagiou. É difícil encarar olhos injetados de dor. Melo, um bom sujeito, colorado como eu, sofredor. Em cada quarenta minutos do corte de cabelo tentamos salvar o mundo. Mas ninguém ouve nossa filosofia. Nos despedimos e adiamos o conserto da vida para o próximo mês. Mal sabe o Melo que, ontem, saí da barbearia com a tela do dia borrada pela tristeza. Perdas são difíceis. Quem não sabe disso?
De tanta amargura o Melo me cortou mal o cabelo e fiquei igual a um cantador de música sertaneja. Logo eu que odeio música sertaneja.
Tem dias em que a gente se incomoda e tudo perde a definição. Problemas profissionais, posse dos bens, festejos e passatempos. Nada interessa. E tudo que vem à frente, fazendo ferver a saudade, ganha um grande relevo. Nesse tipo de avenida é que passeia Gabriel García Márquez, quando escreve, por exemplo:
“Señor, señor, devuélmeme mi antigua inocência
para gozar su amor outra vez desde el principio.”

Nesses momentos o bom mesmo é andar pela rua vendo as vitrines. Tudo o de que não se necessita a não ser para cuidar da atenção e desviá-la dos amores acabados. No inferno deve ser assim: caminhar com o coração sempre partido, pedindo perfume às flores e obtendo como resposta o olhar calado.

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