terça-feira, 17 de novembro de 2009

Jaali Hru Ra Hotep (Poderoso sol) capítulo I

Quando decidiu entrar naquele navio para abandonar sua vida infame, Jaali Hru Ra Hotep não poderia imaginar as agruras que viria a sofrer. Esgueirou-se por trás da casa de máquinas, invadindo o porão úmido e fétido. Ali, por certo, ninguém viria e permaneceria seguro até o destino. Mas que destino? Não tinha idéia do que poderia acontecer ao fim de uma viagem desconhecida. A esperança, porém, era chegar à América e ver todo o cenário deslumbrante das construções e daquele povo cheio de heróis.
E assim foi. Dias e dias no mar, espreitando como um rato o alimento que sobrava, comendo pão velho, carne estragada e bebendo água suja. Tudo isso levava a enjôos constantes, às vezes fervendo de febre, cólicas agudas.
Não entendia bem o que falavam, mas lembrava algo de um primo seu que fora preso em Moçambique e que ouvira uma língua estranha. Quando caçavam, seu primo repetia as palavras que ouvira. Algumas, agora no navio, escutava com atenção, embora sem saber o que significavam.
Sozinho na escuridão só conseguia lembrar-se de coisas tristes de sua infância, sempre na rua, sem os pais que haviam sido mortos pelos soldados revoltosos. Correndo atrás de comida, correndo dos outros meninos, correndo da polícia. Cresceu correndo, fugindo.
Certo dia, ao ouvir os homens chegando para o trabalho nas máquinas, percebeu que alguma circunstância havia mudado na viagem. O navio não balançava tanto. Será que o mar era calmo pelas redondezas? Jaali Hru ignorava totalmente que, em verdade, a embarcação penetrara na Lagoa dos Patos em direção a Porto Alegre. Pobre rapaz. No máximo as construções que veria seriam o estádio beira-rio, o centro administrativo e a receita federal. Errara de América. Acabara zarpando para a pobre.
Um silvo a penetrar no silêncio da noite, a lentidão do barco, a atracação. Conversas, gritos de ordem, desembarque. E assim foi pelo resto da noite.
Jaali Hru parado, com medo silencioso, aguardando pelos acontecimentos.

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