quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Ah, as bochechas.

“Ei, professor, sua filha acabou de nascer”. Terminei o discurso de paraninfo, levantei e me dirigi aos afilhados da Faculdade de Ciências Econômicas de Bagé: “perdão, tenho que sair. Minha filha acaba de nascer”. Palmas. Retirada apressada e ansiosa. Abre-se a cortina do berçário no Hospital Mário Araújo. Lá está ela: linda, bochechas rechonchudas. Nasceu com a ternura no rosto. Suzana e Marta adoravam o bebê cheio de doçura. E passavam o dia com ela. Cresceu. Sempre quietinha. Meu mimo. Às vinte horas ia dormir. Nos raros momentos em que tinha tempo, ela sentava nos meus joelhos e a paz que transmitia era como uma bênção divina. “Abre a boca, quero tirar uma foto dessa porteira” (caíra um dente da frente). Ela não entendia. Ficou nervosa e gritei para abrir a boca. Pronto. Foto tirada e o punhal cravado no meu peito. Sempre que olhava a foto o coração sangrava. Culpa eterna. Por que fui tão estúpido com aquela bonequinha assustada? Muitas coisas aconteceram. E ela acabou partindo para Londres. Nos fins de semana, sozinho no sítio, colocava, inadvertidamente, no meu som o CD do Bill Douglas, música de estilo inglês, daquelas que incendeiam a saudade. Ao começar o coral, interpretando “Deep Peace”, a nostalgia doía e chorava, chorava muito. Agora, quando tudo fica mais claro e definido, porque cabelos brancos dobram as folhinhas do tempo, olho para dentro de mim e lá está, inteira, a minha guriazinha de bochechas rechonchudas. Ainda fazendo a vida valer a pena.

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