terça-feira, 24 de abril de 2018

A CASA DO SONO PERDIDO Pois é, coisa inusitada aconteceu em Bagé, no Rio Grande do Sul, no ano de 1987. Existia uma casa na Rua General Neto, que pegou fama por muitos lugares. Todas as pessoas que residiam por lá dormiam com muita facilidade, com um sono restaurador. Por anos isso vinha sendo observado. De logo, vários vizinhos pediam ao proprietário que lhes cedesse um espaço a fim de superar a dificuldade da insônia. Bastante altruísta, o possuidor da residência não negou a ninguém experimentar os efeitos benéficos do lugar. Isso foi se repetindo e a estranha sensação de sonolência foi notícia que se alastrou por lugares distantes. Obviamente, com o afluxo de interessados em reparar o sono, incluindo argentinos e uruguaios pela facilidade da proximidade de fronteira, acabou o proprietário por ter despertado o interesse de fazer negócio com a novidade. Comprou beliches e encheu os cômodos, admitindo inúmeras pessoas ao mesmo tempo. Lá se desenvolvia uma sensação de conforto, paz e recuperação de energia. E o bolso do dono se enchia cada vez mais. Depois de alguns anos, a notícia foi divulgada através de uma reportagem por um jornal da capital. O efeito terapêutico do lugar ganhou espaço da mídia no estado e boa parte do país. Uma universidade de Porto Alegre mandou uma equipe fazer pesquisa ampla a fim de averiguar o que realmente acontecia naquela casa. Vieram geólogos, físicos, químicos, psicólogos para examinar o prédio e o terreno com a intenção de encontrar uma explicação para o fenômeno. Nenhuma conclusão definitiva foi tirada do trabalho técnico. Porém, seguia a insistente busca de acesso ao local a fim de curar os males da insônia. E, incontestavelmente, a cura era certa. A nova difundiu-se pelo mundo e uma universidade da Alemanha resolveu fazer investigação aprofundada. Na verdade, essa instituição vinha financiada por um grupo multinacional interessado em investir no prédio da rua General Neto em Bagé, veiculando a definitiva solução da insônia. Novamente nenhuma conclusão incontestável foi descoberta. Imaginou-se que a energia do solo naquele local seria a causa do fenômeno ou, talvez, uma fonte de condicionamento operante, que motivava o sono. Os investidores, entretanto, mesmo com a dúvida deixada pela pesquisa, resolveram adquirir o imóvel por um preço exorbitante, demoliram o prédio e construíram um hotel portentoso, com muitos leitos disponíveis. A inauguração foi divulgada por empresas de marketing nacionais e internacionais. Bagé começou a receber gente de todo o mundo. Franceses, ingleses, americanos, escandinavos vinham em excursões de indivíduos mal dormidos em busca do sono salvador. Mas o tempo foi passando e parecia que tudo não passava de propaganda enganosa. Ninguém conseguia sucesso ao tentar vencer o stress naquele hotel. Poucos testemunharam a favor, sustentando ter encontrado no local o sono perdido. O empreendimento foi, aos poucos, fracassando. Todos os bajeenses que lucravam com a peregrinação foram vendo minguar os investimentos. Até que, passados menos de dois anos, a empresa hoteleira foi à falência. Imensa consternação, o prefeito inconformado pelo fato de Bagé ter deixado de ser foco do olhar do mundo. Depois de um longo tempo, caiu no esquecimento a casa do sono perdido, voltando a rotina para a rua General Neto. Passaram-se os anos e, de repente, catadores de lixo num aterro localizado nas proximidades da Universidade Estadual do RGS começaram a comentar que as pessoas que sentavam cansadas, após recolher detritos, acabavam por dormir profundamente, despertando recuperadas. E mais e mais essa experiência foi se repetindo, até que se descobriu algo estranho: naquele local haviam sido depositados os entulhos resultantes da demolição da casa do sono. Os indivíduos, em verdade, estavam a dormir em cima dos escombros do prédio da rua General Neto, onde tantos haviam curado sua insônia.

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