segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Cruzamento Perigoso

Promovi uma ação de despejo contra o Barreto. Não pagava aluguel há meses para o meu cliente. Prometera pagar, mas enrolou ao máximo. Nenhuma solução. O recurso judicial extremo foi inevitável, embora seja sempre trágico penetrar no corredor do Kafka, caro, interminável e imprevisível. Citado o devedor, apressou-se a saldar a dívida através de depósito judicial. Apoplético de vergonha e raiva. Afinal de contas, onde já se viu o nome do Barreto no foro?! Advogado atrevido agir contra o Barreto. Consequência inevitável: me cortou o cumprimento. Sem dúvida, a regra dessa profissão ingrata. O advogado é o inimigo crônico e incômodo dos maus pagadores. Dias atrás, após a costumeira via crucis forense da manhã, descia pela avenida Sete, quando vislumbrei o Barreto, que vinha em sentido contrário e, da calçada do Caixeiral, atravessava em direção àquela em que me encontrava. Meus passos eram lentos e cadenciados, quase regulamentares, sem angústia, gozando das delícias de um sol manso e de um ar saudável de primavera. O Barreto não havia de me visto. Porém, quando deu com os olhos em mim, perdeu o equilíbrio, sua cabeça começou a rodar, tentando encontrar um ponto para fantasiar uma atenção fixa. Não encontrou nada. Tudo era trivial. E o Barreto com a cabeça esvoaçante. Imaginei como estaria se sentindo o pobre do Barreto. Ao descobrir a mancada deve ter pensado: “Puxa vida, aquele advogado imbecil. E agora esta: ter de cruzar por esse palerma. Por que não cuidei ao atravessar?!” Os nervos do Barreto se retesaram. A face lívida e inquieta mostrava uma tensão nervosa desagradável. Sangue acelerado até debaixo das unhas. Não achava nem jeito para caminhar. As pernas pareciam membros estranhos, alheias ao corpo com o qual não conseguiam guardar coordenação. “Que burrice a minha! Por que não olhei melhor? Por que tinha de mudar de calçada? Hoje não é o meu dia. Comecei mal a semana. E esse chato, ainda por cima, vem impassível. Nem olha para o outro lado.” Mas, enfim, passamos um pelo outro. Eu com o rosto sério e um sorriso no cérebro. O Barreto com os olhos inexpressivos de quem depara a sua frente com uma formiga insignificante ou, pelo menos, tentando impor um olhar tal. Tudo acabado. Uma novela, um romance clássico, uma tragédia grega. Ao Barreto, todavia, restou uma grande lição: cuidar melhor, ao atravessar a rua, não os carros, mas os bacharéis indesejáveis. Melhor teria sido se a lição assimilada fosse a de pagar pontualmente seus credores a fim de evitar cruzamentos perigosos.

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