terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Reverendo Guedes

Na rua Marechal Floriano, em Bagé, ficava a igreja evangélica. Do reverendo Guedes. Cada vez que passávamos pela frente, meus pais diziam: “essa é a igreja do diabo”. A prima Léia e sua mãe pertenciam à religião e eram vistas com maus olhos pela família. A Léia parecia ter uma aura escura e assim é que deveria senti-la, ainda que fosse uma boa pessoa.
De cima da garagem lá de casa era possível ver a tal igreja. Subia no telhado e espreitava o movimento na esperança de saber qual era o cotidiano do diabo. Porém, o único que via era o gordo reverendo Guedes na sua batina estranha: uma roupa preta (calça e casaco) com o colarinho branco redondo. Como seria possível? Batina que era batina só aquela parecida com saia.
Religião da família só a católica. Em 1956 cursava o quarto primário no Colégio Auxiliadora. Obrigatório assistir a missa no fim de semana. Era possível ir no sábado, carimbar a caderneta para provar a presença na segunda, e assim ficar livre no domingo para dormir até tarde.
Havia quatro compartimentos nos bancos da igreja Auxiliadora. Os alunos postavam-se no primeiro à direita de quem olha para o altar. Disputado era o banco mais ao meio, perto do confessionário. É que ali, às vezes, era confessor o padre Genius (parece ser esse o nome). Cabelo todo branco, um velho meio surdo e um tanto repressor. Passava carraspanas ferozes e aos gritos nos coitados. E assim, cabisbaixas, saíam as mulheres com seus véus brancos (solteiras e virgens) ou pretos (casadas com a consumação garantida).
Desenvolvia-se aquela monótona cerimônia. A hora do sermão constituía a verdadeira penitência. O sacerdote começava a falar e não parava. Mais tarde veio o padre Hugo que, de cima do púlpito, fazia seus sermões à moda Savonarola, o fanático monge florentino. Expulsava do templo as moças com decotes acentuados. Assistir essas tragédias era a única coisa divertida, embora o medo do padre Hugo. Ninguém dava um pio. Ouvia-se tudo. Sem entender nada. Mas sempre quieto.
A seguir vinham os cantos. Um começava assim: “Queremos Deus, homens ingratos...” Recheio de culpa nos espíritos jovens. Mas não adiantava muito, porque não se sabia o significado exato da palavra ingrato. E por isso colocava-se toda a ênfase no canto, como se fosse o hino do Guarany Futebol Clube em final de campeonato no Estrela D’Alva.
Lá no céu, o reverendo Guedes deve estar lendo estas linhas e rindo com seu rosto simpático.

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